Autor : Albert Low
SOBRE O MEDO[1]
Nisagardatta
diz: “É a ignorância de si próprio que faz você
ter medo. E também faz você ignorar que tem medo.”
Não
é raro que esse medo apareça em nossa prática[2].
Às vezes, ele emerge de uma forma que podemos ter consciência dele. Mas, também
pode surgir logo abaixo do nível da consciência.
E
quando o medo emerge abaixo do nível da consciência, ele emerge sob a forma de
agitação. Uma espécie de irritação. Um sentimento de instabilidade. E
Nisagardatta diz que esse medo vem da ignorância. Mas, o que ele quer dizer com
ignorância?
Falemos
da ignorância e do significado de ignorar.
Vamos supor que você esteja em uma festa e encontra uma pessoa que você
não gosta. Há uma tendência de você a ignorar, virar as costas para ela. Não
necessariamente de modo concreto, mas metafórico. Mas, mesmo virando as costas
de modo metafórico, essa pessoa não desaparece.
E
essa ignorância de que fala Nisargadatta é virarmos as costas para nossa própria
totalidade. Desviamo-nos da fonte. Esse “virar as costas” acontece porque
estamos procurando por nós mesmos dentro de alguns tipos de experiências.
Queremos SER. E você pode adicionar o que quiser a esse querer ser.
Encorajamos
nossos filhos a virarem as costas desta maneira quando perguntamos a eles: “O
que você será quando crescer?” Essa necessidade de ser, essa necessidade de
existir. É essa necessidade de se manter do lado de fora que faz o medo
emergir.
Mas,
não podemos viver fora de nós mesmos. É impossível. E ainda assim, vivemos como
se estivéssemos fora de nós mesmos.
[O
medo] é somente uma expressão do sentimento de se estar separado da fonte.
Separado daquilo que realmente importa. Mas é impossível para nós estarmos
separados de nossas almas.
A
luz se volta e brilha sobre si mesma. E fazendo isso, cria a aparência de algo:
um pequeno redemoinho, por exemplo. Mas, é essa volta sobre si mesma, é essa
reflexão que dá a aparência de ser algo.
Mas a verdade é que não somos algo. E não somos nada. Não podemos nem
sequer dizer que somos o todo. Usamos essa expressão – o todo – porque queremos
evitar a negativa. Queremos indicar algo que não seja a aniquilação.
Mas
não somos o todo. Não somos Um.
Se
afirmamos que somos alguma coisa, então passa a ser assim. É assim que é. Isso
é o que somos: algo.
E eu
uso essas palavras não necessariamente ao pé da letra, de um ponto de vista linguístico.
O significado não está necessariamente atrelado a essas palavras que digo. Esse é o poder que temos de declarar, de
afirmar: é o poder através do qual criamos a noção de si próprio[3].
É
muito difícil entendermos que o mundo é como
o que conhecemos porque nós AFIRMAMOS que o mundo é como o que conhecemos dele.
É por isso também que é difícil para pessoas de culturas diferentes se
compreenderem. Pense no mundo que um caçador vê… imagine o que o caçador fala sobre
o mundo. E o compare com o mundo daquele homem moderno que trabalha dentro de
um escritório.
Dizemos
que certas coisas são importantes e dizendo isso, elas são importantes. Quando eu uso a palavra
dizer eu não me refiro a dizer linguisticamente. Você deve sentir o que significa dizer o mundo tal qual você o conhece.
Às vezes dizemos que nós criamos o mundo. E a criação do mundo é feita através
do dizer. Na Bíblia, fala-se que Deus criou o mundo e
Adão deu o nome.
Essa
criação de Deus foi realizada através do dizer.
É por essa razão que os contadores de estórias eram os mágicos da tribo.
Na
Nova Zelândia, há uma tribo que tem a responsabilidade de dar existência ao
mundo através do canto. E eles levam essa responsabilidade extremamente a
sério.
Algum
dia, tente ver o que realmente significa: “O mundo é segundo o que conhecemos dele.”
Mas,
por trás, há aquilo que não é dito. E isso porque é o Real. O Real está constantemente se reabsorvendo,
digamos assim, trazendo de volta a si aquilo que foi criado. Uma das maneiras
pela qual vivenciamos esse “trazer de volta” é através do remorso e da
tristeza. Mas, a maneira com a qual resistimos a esse “trazer de volta” é pelo
medo e pela raiva.
Muitas
pessoas têm medos específicos. Algo que eles constantemente temem: perder o
emprego ou perder um parceiro. Ficar doente ou envelhecer. Medo da solidão. Mas
todas essas variações são uma tentativa de dar um nome ao medo. Nós tentamos
nomeá-lo. Nós tentamos dizê-lo.
O
medo em si próprio é o amor pela totalidade. Usamos essa palavra totalidade porque não queremos pensar
que há um vácuo. Mas se a pessoa permanece una com o medo e permite que ele
tome seu lugar, no final das contas, ele se transforma em amor. Amor, gratidão.
Quase uma bem-aventurança.
Se
somente pudéssemos enxergar que tudo que está acontecendo é a manifestação
daquilo que somos fundamentalmente, aí então esse sentimento de que devemos
lutar, resistir, construir barreiras contra certas partes dessa manifestação e
criar uma noção de inércia sólida e morta… nós podemos ver somente que tudo
isso são manifestações do que somos fundamentalmente. Há somente uma coisa
grande que atravessa tudo, que impregna tudo, pouco importa o que está
acontecendo.
Nisargadatta
diz: “É a ignorância de você próprio.” Ignorância dessa maravilha da qual
falamos. Virar as costas para isso. Embora demos as costas para isso, a coisa não
desaparece. E se manifesta como um medo penetrante. Ameaça impregnante. Há um
ditado: “O temor a Deus é o começo da compreensão.”
Temor
a Deus. Deus é o nome que damos aquilo ao qual que viramos as costas.
Nisagardatta
diz: “Não tente não ficar com medo.” Se tentamos não ter medo, tentamos dar um
nome ao medo. E se não conseguimos dar um nome a ele, então, tentamos desviar
nossa atenção do medo. Tentamos dar as costas à coisa que é somente o resultado
de termos dado as costas a algo maior. E vivemos deslocados na vida. Sempre
desconfortáveis. Sempre com o sentimento de instabilidade, agitação.
Ele
diz: “Primeiro, quebre o muro da ignorância.”
Claro
que não há nenhum muro da ignorância. Quebrar o muro da ignorância é só ver
isso. Ver que nunca estamos ausentes. Nós estamos sempre presentes. Ver que até
mesmo dar as costas é em si uma manifestação da luz.Tudo é uma manifestação da
luz.
É
por isso que afirmamos: permaneça dentro de qualquer coisa que se apresente a
você. Se você faz isso, a coisa se dissolve. Ela se dissolve porque ela é na
verdade uma manifestação da luz que podemos chamar de consciência coagulada. Consciência
congelada. E permitindo que essa coisa seja uma presente consciência, ela se
dissolve, ela se derrete, ela retorna para o aqui e agora da nossa casa.
Nisargadatta
diz: “As pessoas têm medo de morrer porque não sabem o que é a morte.”
O que é a morte? Essa é a mesma pergunta que “QUEM SOU EU?” ou “O QUE É ISSO?”
É dito que há 3 tipos de morte. A morte estatística. Você lê no jornal que houve uma avalanche em algum lugar e 13 pessoas morreram. Ou 65 milhões de pessoas foram mortas na Rússia no começo da Revolução[4]. Essa morte estatística que toma forma na televisão, onde você vê pessoas atirando umas contra as outras, pessoas morrendo, etc. É a morte anônima.
Muita
gente que diz “eu não tenho medo de morrer” está falando da morte estatística porque
eles não sabem quem são. Não houve um real despertar neles. Eles são pessoas
anônimas. Vivem vidas anônimas. Eles estão dentro da massa.
É possível
para essas pessoas anônimas dizerem então: “não existe consciência”. Somente
uma pessoa anônima pode dizer isso. É uma pessoa que nunca viveu porque nunca
questionou o que significa estar vivo.
E há
a morte de alguém que é próximo a você. Isso não é uma morte anônima. Ela leva embora
com ela a metade de seu mundo. Não se trata somente da perda de uma pessoa. É a
perda da metade de sua experiência humana. E como consequência, leva muito tempo
para a cura.
O
que você sabe da morte é que a morte é uma perda. Morte como ausência. Como uma
dor da experiência humana.
E
sua própria morte existe. O que você sabe de sua própria morte?
Quando
você pensa sobre isso, você pode escorregar para a morte anônima: “ah, não
tenho medo da morte.” Ou pode escapar através da morte de um próximo como algo aterrorizante:
uma perda, uma aniquilação, uma destruição. Ou alguém pode olhar para a morte e
dizer: “É interessante. Eu vou morrer. Daqui a 50 anos, 100 anos eu não estarei
mais aqui. E em 200 anos ninguém terá nem mesmo uma memória de minha
existência.”
O
que significa isso?
Parece
que se trata de uma aniquilação. Mas, na verdade, o que a pessoa está realmente
questionando? Pergunta-se: “O que acontecerá comigo?”
O
que acontecerá comigo? A pergunta pode vir de outro ângulo: “O que é esse EU a
quem algo irá acontecer?” E aí voltamos para a incontornável pergunta: QUEM SOU
EU?
Primeiro,
temos de distinguir entre a morte e a ideia de morte. Com o quê a pessoa está
lidando quando sente medo? Claro, essa é
a ideia da morte. A pessoa não tem medo da morte, tem medo por conta de uma ideia.
O que é essa ideia? É uma ideia de negação.
Ela nega algo que existe. E de novo, voltamos para a pergunta QUEM SOU EU?
Nisagardatta
diz: No momento em que você conhece seu
ser real, você está livre. Você não tem medo de nada.
Uma
das coisas que o kensho[5] –
enxergar sua própria natureza – faz é que nos limpa desse medo penetrante.
Conhecer o que chamamos de luz, às vezes chamamos de O TODO, às vezes chamamos
de VOCÊ.
O
Real não tem começo e não pode se manifestar Não tem origem. Nada origina o
Real. Ele não tem forma nem destino. Não tem razão de ser. O Real apenas
brilha. E tudo o mais é seu ato de brilhar, sua radiância. Isso não significa que as pessoas não
balancem e se chateiem dentro do turbilhão. Creio que uma pessoa pode evitar
isso quando se aposenta ou se retira do mundo, mas mesmo assim, não estou certo
de que se pode evitar. Digamos que nunca aconteceu com essa pessoa[6].
Mas,
sobre todas as coisas, a Realidade é a realização não de algo do qual nós nos lembramos, mas a realização de como a Realidade é. Que ela é toda o brilhar, toda o conhecer.
Nisagardatta
diz: “A morte é liberdade e poder. Para que você seja livre no mundo, você deve
morrer para o mundo.”
E
isso é o que faz a pergunta QUEM SOU EU? Ela permite que você morra para o
mundo. Para fazer isso, essa pergunta começa a dissolver aquilo que
Nisagardatta chama de “muro da ignorância”. E quando isso começa a acontecer, aí
então, o medo encontra uma maneira de entrar em você.
É
interessante notar quantas pessoas circulam no centro zen e só ficam por um
tempo. Um mês ou dois, seis meses ou um ano e depois, vão embora. Há também
aqueles que permanecem por uma semana ou duas… esses não têm impulso suficiente
para praticar.
Mas, há também aqueles que vêm e que podem ver que têm sede, têm necessidade. Eles praticam por um tempo e se vão. Às vezes, eles partem muito aborrecidos dizendo que o zen não é bom ou que eu não sou bom.
Mas,
no fundo de tudo isso, há medo. As pessoas começam a despertar e não aguentam a
intensidade.
Nisagardatta
aponta: “Para que você seja livre no mundo, você deve morrer para o mundo. E ai
então, o mundo é seu.”
Tudo
é o seu brilhar. Tudo é o seu conhecer. Mas, não estamos dizendo com isso que
você está vivendo em um mundo tal qual propõe o solipsismo[7]. Nem estamos afirmando que tudo que existe seja
sua consciência.
Quando
dizemos que “tudo é o seu brilhar”, estamos tentando ir além do VOCÊ que
você pensa que é. Quando dizemos que “a realidade é seu saber”, queremos dizer
que é o conhecer que brilha como EU SOU. E não o VOCÊ enquanto criação,
enquanto raio desse ato de brilhar.
“E aí
então, o mundo é seu.” Como Buda afirma: “Por toda a parte – céu e chão – eu
sou o único que é honrado.”
É
assim. É por causa dessa verdade que esses medos frequentemente se manifestam
como medo da solidão. A verdade sempre é. Nós sempre sabemos da verdade. A
verdade é simples. Ninguém tem de se esforçar muito para obter a verdade. Nós
temos de nos esforçar muito para dar as costas para a verdade. Nos todos
sabemos o que significa “Por toda a parte – céu e chão – eu sou o único que é
honrado.”
Quando
trabalhamos sobre nós mesmos, essa verdade vai entrando em nós. Mas, ela
penetra através de um véu de pensamentos e conceitos. EU SOU O ÚNICO QUE É
HONRADO se transforma em EU ESTOU SÓ. É
verdade que nascemos sozinhos e vamos morrer sozinhos. Mas também vivemos
sozinhos. As pessoas têm essa sensação de estar sós mesmo no meio de uma família,
emprego, sucesso, realizações. A pessoa ainda assim se sente só e deixa passar
as bênçãos do mundo, pois associa as bênçãos do mundo à solidão.
“O mundo é seu.”
Como
você pode penetrar nisso? Como você pode compreender isso de um ponto de vista
não-filosófico? Não se trata de
filosofia. Como você pode enxergar isso?
Quando
você diz EU SOU, aonde está o limite desse EU SOU? Por que será que quando você olha para o muro
você não afirma EU SOU? Tudo é EU SOU. Não
há separação. Não há uma linha que você pode traçar entre EU SOU e tudo que é
conhecido. Você não tem de ter algo
extra além de sua percepção. Não é que tenha de haver uma luz que sai do muro,
brilhando. Não estamos falando de um estado místico. Não se trata tampouco de
uma experiência espiritual. Trata-se puramente daquilo que você vê tal e qual.
Tal e qual você vê agora. Aquilo tal e
qual você vê agora é EU SOU. Do mesmo modo que a pressão que a almofada onde
você está sentado faz contra sua perna é EU SOU. A sensação do corpo é EU SOU.
“E então, o universo é seu. Ele se torna seu
corpo, uma expressão e uma ferramenta.”
Uma expressão. Uma aparência. O mundo é sua aparência. VOCÊ aparece enquanto mundo, como mundo.
“A felicidade de ser totalmente livre está além
de qualquer descrição.”
Claro, esse tipo de afirmação pode levar a pessoa a ter falsas expectativas. Como diz Hakuin: “A Realidade está além da exaltação. Está além de todos os nossos louvores.”
A
Realidade não é exaltada. Não é extática. Não estamos buscando êxtase aqui. Será
um alívio enorme quando você vir o que eu quero dizer quando digo O muro é EU SOU. “Ah! Sim! Claro!” E o permanente conflito que o sentido de
separação gera derreterá.
No
Zen é dito: “É como se beber água fresca e reconhecer que é água por si mesmo.”
Não há êxtase em se beber água. Mas é real.
Então,
uma pessoa pergunta a Nisargadatta: “Você quer dizer então que aquele que
não conseguir morrer, não poderá viver?”
Ele
responde: “Entenda como você quiser. Apego é escravidão. Desapego é liberdade. Necessitar
[8] é
escravizar-se.”
É
por isso que nós estimulamos você a sentir o desejo, a necessidade. Qualquer
que seja. Necessitamos todo tipo de coisa, mas possivelmente a pior, a mais
intensa é a necessidade de sexo. É uma necessidade, uma luxúria, uma nostalgia,
um desejo agudo e ardente.
O
ponto é abandonar toda e qualquer imagem e ideia associada com a necessidade em
questão. Claro, com uma necessidade intensa como a de se ter sexo, isso não é fácil.
Mas, é possível se permanecer somente com a necessidade, sem satisfazê-la. Você inspira e expira através da necessidade.
Pode
ser uma necessidade de poder. Uma necessidade de se ser reconhecido.
Necessidade de afeto. A necessidade se ancora em nós. Nós não a permitimos porque
ela nos atrapalha. Se ela está ali, deixa que ela esteja ali. Deixe-a surgir. Não tenha medo dela. E então,
permaneça com ela. E ela se transforma. Transmuta. Essa é a alquimia da prática
espiritual.
Uma
pessoa pergunta: “É verdade que se eu estou salvo, o mundo esta salvo?”
Nisargadatta responde: “Como um todo, o mundo não precisa de salvação. São os homens que cometem erros e criam sofrimento.”
Esse
sentimento de que EU QUERO SALVAR O MUNDO. Que coisa idealista! É quase sempre uma ideia das pessoas que não
fazem nada para salvar a si próprias. Na verdade, quase sempre é uma compensação
ou desculpa para se evitar a prática espiritual. Eles dizem: “Essa prática é egoísta.
Você deveria estar salvando outras pessoas. Olhe para o terrível estado em que
se encontra o mundo! Como você pode ficar aí, sentado em frente da parede
meditando[9] e não
fazer nada sobre o mundo?”
Isso
tudo é um discurso para fugir de um problema.
Não
há nada que te impeça de ir para a África e trabalhar com as pessoas lá, se
você quiser. Mas, faça isso ancorado em uma sólida base de prática[10]. Se esta é sua inclinação, seu carma,
faça-o! Mas se não é, não sente-se
pensando sobre isso ao invés de meditar. Talvez mais importante do que salvar
africanos seja salvar sua própria família! Pessoas que vivem perto de você
precisam tanto de salvação quanto quaisquer outras.
O
mundo não precisa de salvação porque o mundo é uma ideia. São as pessoas que
precisam de salvação. São pessoas que sofrem. Não é o mundo que sofre. E pessoas
sempre podem encontrar outras pessoas com as quais trabalhar. E até mesmo UMA
pessoa. Ajude uma pessoa um pouquinho e pare com esse blablabá sobre salvar o
mundo.
Uma
pessoa pergunta: “Pode-se observar aquilo que pode ser chamado de progresso espiritual.
Um homem egoísta se torna religioso, passa a se controlar, refina sua alma e
sentimentos, engaja-se em práticas espirituais e realiza sua verdadeira
natureza. Tal progresso é conduzido pela lei da causa e efeito ou é acidental?”
Tudo
acontece por si mesmo. De forma bem espontânea. Mas a pessoa imagina que ela
trabalha incentivada por um objetivo. Ela tem sempre uma mente que funciona
pelas recompensas e luta por elas. Mas, tudo acontece por si e a pessoa pode
apreciar isso de verdade. Esse sentimento: “O que eu devo fazer?” pode se
tornar “O que pode ser feito através de mim?”
De
algum modo podemos olhar para nós mesmos, nossas personalidades como um tipo de
flauta através da qual o vento do espírito passa, tocando uma música. Essa abertura
da qual falamos é a que permite o vento do espírito passar e soprar através do
instrumento.
Quando dizemos: “Tudo acontece”, não queremos dizer que tudo é simplesmente o caótico resultado do caos. A força que constrói o ninho do pássaro é a mesma que constrói o pássaro. A força que constrói o ninho que eu criei é a força que me criou. Em outras palavras, há uma força criativa que se manifesta através de mim e das coisas que acontecem.
Eu
seleciono dentre os acontecimentos: “Eu gosto desse. Eu não gosto daquele.”
Então, fico achando que eu posso compor com aquilo que eu gosto e que posso me
livrar daquilo que não gosto. Mas
frequentemente, vislumbramos algo numa direção e somos levados para uma outra
bem diferente. E não é raro que olhemos para o passado – essa pessoa[11]
pode testemunhar – e realizar que toda nossa vida, nós tivemos um anjo guardião
ao nosso lado. Não quero dizer isso literalmente. Mas… por quê não?
Há o
sentimento de que fomos amados e às vezes abençoados. Quando uma pessoa diz: “Tudo
acontece”, não devemos abandonar e dizer: “Ah, então eu não sou responsável por
nada!”
Ao
contrário! Façamos uma boa flauta de nós
mesmos!
[1]
Teisho classificado por 739-2de7-Dec.2000-Reading_from_Nisargadatta, tRaduzido
do inglês para o português por Débora
Bolsanello e revisado por Alexandre Cursino.
[3] Albert Low evita usar a palavra `ego`,
preferindo a expressão `the sense of
self`, que traduzimos por `a noção de si próprio`.
[4] Albert Low se refere à Revolução Russa que
ocorreu em 1917 como uma transição do
sistema dos Ksares para o sistema socialista.
[5] Kensho é um despertar momentâneo de maior ou
menor intensidade. Kensho significa
literalmente : `exergar sua própria natureza`. Dependendo do contexto, a
palavra ken quer dizer :
`ambos`, `perceber`. E a palavra sho
significa : natureza, vazio, unidade, absoluto.
[6] Albert Low refere-se a si próprio quando
diz : `essa pessoa.`
[7] Solipsismo é um conceito filosófico onde só o que existe é
a realidade percebida pela mente individual.
[8] Nisagardatta usa o verbo `to crave`, que
significa desejar no sentido de ter necessidade, como no caso de necessidades
básicas de sobrevivência : comida, água, proteção e afeto.
[9] A prática de zazen
é comumente feita em posição sentado, diante da parede.
[10] Albert Low se
refere à prática espiritual, mais precisamente a meditação.
[11] Albert Low
refere-se a si próprio.
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