TEISHO DE ALBERT LOW 1
Você
está lendo aqui a transcrição e tradução de um teisho, ou seja, de um
ensinamento oral que foi dado por Roshi Albert Low, em um retiro no Centro Zen
de Montreal no Canadá.
Há essa paciência. No
livro CONHECER A SI MESMO[2],
incluimos a estória desse menininho que queria entrar no céu. Ele bateu nas
portas do céu. São Pedro abriu e perguntou : O que você quer ? E o garoto respondeu : Quero entrar no céu. São Pedro replicou,
meio atônito : Tenho que falar com
Deus e ver o que ele acha, está bem ? E foi saindo rapidamente,
pensando que o menino era maluco. O menino então ficou nas portas do céu
observando as belezas daquele lugar, que como na província de Québec[3],
estava no período do outono. Eram milhares e milhares de árvores cujas folhas
eram douradas, vermelhas, amarelas, todas brilhando ao sol. Colinas e colinas
de lindas árvores coloridas. O menino ficou maravilhado. Então, São Pedro volta
ao portão e declara : Falei com
Deus. Ele disse que… São Pedro levanta então o olhar para os quilômetros longíncuos
de árvores de outono… Deus disse que você
poderá entrar no céu quando as folhas de todas aquelas árvores tiverem caído
tantas vezes quanto há folhas naquela
árvore. E o menino responde : Então,
você diga a Deus que a primeira folha acaba de cair.
Antes de todo o
teisho,ou seja, de todo ensinamento oral, nós cantamos a Canção de Zazen, de
Hakuin :
Desde
sempre todos os seres são Budas.
Como a água e o gelo : não há gelo sem água
Fora de nós não há Budas
Como a água e o gelo : não há gelo sem água
Fora de nós não há Budas
Sem
perceber quão próxima está essa verdade, nós a buscamos tão longe
Como alguém
estando imerso dentro d’água
Chorando desesperadamente de sede
Chorando desesperadamente de sede
Como o
filho de um rico homem
que vagueia na miséria, desnorteado
que vagueia na miséria, desnorteado
A razão porque nós vagamos
através dos Seis Reinos é porque
nós estamos perdidos nas trevas da ignorância.
Como
poderemos nos liberar do nascimento e da morte?
Não há
palavras que sejam suficientes para elogiar a
prática do zazen
Observar os
preceitos, arrepender-se e doar-se :
tudo isso vem da prática do zazen
Mesmo
aqueles que sentaram-se em zazen apenas uma vez
Lograrão superar o karma.
Lograrão superar o karma.
Não mais
eles irão encontrar maus caminhos,
E a Terra Pura não estará muito longe.
E a Terra Pura não estará muito longe.
Se nós
escutarmos esta verdade mesmo que apenas uma vez
E com o coração aberto a louvarmos e alegremente a abraçarmos
Se ao refleti-la profundamente em nós mesmos,
Nós atingirmos a auto-realização,
Dando prova da verdade de que
O Eu verdadeiro é o não-Eu
E com o coração aberto a louvarmos e alegremente a abraçarmos
Se ao refleti-la profundamente em nós mesmos,
Nós atingirmos a auto-realização,
Dando prova da verdade de que
O Eu verdadeiro é o não-Eu
Nós iremos
então além da linguagem e suas astúcias
E o portal da unidade entre causa e efeito abre-se
E o portal da unidade entre causa e efeito abre-se
Não dois
Nem três
Diante de nós está o caminho reto
Nem três
Diante de nós está o caminho reto
Nossa forma
sendo agora não-forma
Indo e vindo
Nós nunca saimos de casa
Indo e vindo
Nós nunca saimos de casa
Nosso
pensamento agora sendo não-pensamento
Cantando e dançando
Cantando e dançando
Nós somos a
voz e a dança do dharma
Quão vasto
e amplo
É o espaço sem fim do Samadhi !
É o espaço sem fim do Samadhi !
Agora o quê
mais precisamos buscar ?
Quando a
eterna tranqüilidade da verdade
Revela-se a nós,
Revela-se a nós,
Este lugar aqui mesmo é a terra do lótus
E este nosso corpo
É o corpo de Buda.
Ouvir ou ler um
teisho é uma outra forma de zazen. Em outras palavras, faz parte de sua prática
espiritual.
É dito que um teisho
é mais ou menos como acender um fósforo… se a fagulha pega, ótimo. Se não pega,
tudo bem, deixe passar.
Agora, continuamos
com a leitura de Nisargadatta e comentários.
Ele diz : O primordial é o simples sentimento EU SOU.
Permaneça nele pacientemente. Aqui, a paciência é sabedoria. Não pense no
fracasso. Nessa empreitada, não existe fracasso possível.
Há muita sabedoria
nessa curta frase. Primeiro, ele aponta para esse permanecer no simples
sentimento EU SOU. Primeiro de tudo, há esse simples sentimento do EU SOU.
Saber que ele é o mais simples de todos. Esse sentimento não requer nada. Ele não
signfica nada. O saber não é causado por nada em particular. Não há
antecedentes ao saber.
Como consequência,
quando uma pessoa está praticando por exemplo, usando o koan QUEM SOU EU ?
é sempre bom permanecer somente no EU SOU. Claro, é importante compreender que há
diferentes níveis nessa prática. Uma pessoa pode, por exemplo, simplesmente
repetir EU SOU como se fosse uma espécie de mantra. Não é isso que aconselhamos
fazer. Outra pessoa pode fixar seus pensamentos no EU SOU e até certo ponto,
isso já é melhor. Mas o melhor mesmo é abandonar todos os reflexos, abandonar
todos os espelhos e simplesmente saber que EU SOU.
Lemos
no Velho Testamento : Fique em
silêncio e saiba que eu sou Deus.
É exatamente sobre
isso que estamos falando. Porém, EU SOU DEUS é desnecessário. É exagerado. É
acrescentar coisas onde o que é necessário é a subtração.
Fique em silêncio e
saiba que EU SOU. Isso é suficiente. Na verdade, FIQUE EM SILÊNCIO ou FIQUE
QUIETO não é realmente necessário. Saber que EU SOU já é, em si, quietude. É simples. É quietudo. Saber é ser. EU SOU já é redundante nesse caso. Saber é
suficiente. E no fundo… para quê então ficar usando palavras ?
Ele diz : Permaneça no EU SOU pacientemente.
A prática espiritual
como um todo deve emergir da paciência. Há uma intensidade na prática.
A pessoa
pode estar ardentemente em sua prática individual e ainda assim ser
infinitamente paciente. É dito que temos de praticar mesmo se a cabeça está
pegando fogo.
Paciência. Se você está
praticando com o koan MU[4],
permaneça nele pacientemente. MU é paciência. Quando alguém está com pressa, o
que ele quer é ir daqui para lá. Há uma distância a ser percorrida. Se a pessoa se apressa em sua prática, se não
dá tempo suficiente para sua prática, então nunca conhecerá a paciência
infinita que é a sua própria natureza. E como consequência, a pessoa sempre
fica do lado de fora de si mesma. Uma pessoa impaciente é uma pessoa que está
sempre fora de si mesma.
Nisagardatta
diz : Permaneça no simples
sentimento do EU SOU. Aqui, a paciência é sabedoria. Não pense no fracasso.
Isso é muito
importante. Aqui não existe falhas. A falha acontece quando uma pessoa está
tentando alcançar algo. Se você está tentando conseguir algo, é possível que
você fracasse, mas quando você está a caminho de casa, não há falha possível,
porque paradoxalmente, como diz a Canção de Hakuin : indo e vindo, nós nunca saimos de casa.
Nós nunca deixamos
nossa casa. Você está voltando ao que
você já é. Tal e qual Santo Agostinho descreve : Se você já não tivesse me achado, você não estaria me procurando.
Você está buscando porque você já encontrou. Cada um de vocês, em
algum momento de suas vidas, teve pelo menos um momento de `encontro`.
Provavelmente, a maior parte desses momentos aconteceram quando você era bem
mais jovem. Quando as manhãs eram mágicas. Em uma manhã de primavera, o mundo está
realmente vazio.
É quase como se
houvesse um sino que ecoa sem fim em uma manhã e primavera. Sem barreiras que
empeçam o som de se propagar. É isso que ainda ecoa em sua mente. São esses
ecos, esses `encontros` que você já teve é o que trazem você até aqui. E em
consequência, esse sentimento de fracasso, de não conseguir, de não alcançar,
de não ser bom o suficiente, não ser suficientemente espiritual e tudo mais são apenas sentimentos que emergem da
crença de que somos algo ou que temos de ser algo. Esse EU DEVO SER, DEIXE-ME
SER é a fórmula para o fracasso. No EU SOU não há fracasso possível.
Como nosso mestre
diz : Antes que um só passo tenha
sido dado, a jornada já está realizada.
EU SOU. Há uma
tremenda segurança em EU SOU. Nada pode machucar você uma vez que você enxerga
o EU SOU. Nada pode tocar você. Até mesmo a dor não pode atingí-lo. E a morte não
pode matá-lo.
Uma pessoa
coloca : Mas, meus pensamentos não
me deixam em paz !!!
Nisagardatta
afirma : Não preste atenção. Não
lute contra eles. Não faça nada contra eles. Permita que eles sejam o que quer
que sejam. É sua luta que dá vida a eles.
Esse é o ponto. Essa
vida, esses pensamentos que acontecem são pensamentos através dos quais a mente
tenta reduzir certos tipos de desconforto. Há um deconforto, um sentimento desconfortável
que temos. Não necessariamente um grande desconforto. Mas os pensamentos vêm à
tona para dissipar o desconforto, para purgá-lo.
Se você já viu essas
refinarias de petróleo, você sabe que elas têm aquelas chaminés para queimar as
impurezas. Podemos ver os pensaments que ocorrem na mente como o talento para
queimar tensão. E quanto mais resistência você dá a esses pensamentos, de
querer arcar com eles, lidar com eles,
livrar-se deles, mais você alimenta essa sensação de desconforto. A pessoa se
sente desconfortável sobre os pensamentos e por isso haverá mais impurezas a
serem queimadas. Assim se estabelece um círculo vícioso. Durante todo o dia,
esses pensamentos estão queimando de tal maneira que você pode dizer que eles
queimam tendo como combustível a energia vital.
Quanto mais você os
alimenta, mais terá de lutar contra eles. E a alternativa é tolerar o
desconforto. Se a pessoa está em um estado de presença, esse desconforto e
esses diálogos internos tendem a secar. E também, a pessoa pode observar que a tensão
e o desconforto aumentam.
A pessoa tem que estar
equilibrada na cúspide, no cume, na pontinha desse desconforto para permancer
presente. Quando uma pessoa está presente, há um desconforto e esse desconforto
aumenta até um ponto, e só então começa a diminuir. Se a pessoa permanece
atenta, ela vê que o desconforto diminui até um ponto e então começa a crescer
novamente. E a pessoa pode surfar por cima dessas ondas. É como o surf. Pode-se
cavalgar essa onda de desconforto. Há uma força que vem em consequência disso.
O que realmente
queremos indicar nesse processo é o que Nisargadatta diz : É sua luta que da vida a eles. Simplesmente não
dê atenção a eles. Olhe através deles. Lembre-se que tudo que acontece,
acontece porque EU SOU. Olhe através.
A primeira coisa que
a pessoa reconhece quando começa a meditar é que esses pensamentos são
incontroláveis. Que, pouco importa o que a pessoa faça, eles continuam a
existir. Na verdade, essa deveria ser a primeira lição que uma pessoa aprende
quando medita. Poucos aprendem essa lição porque vivem se culpando pelo fato de
não conseguirem controlar seus pensamentos. Eles sentem que deveriam ser
capazes de controlá-los. E pelo fato de não
conseguirem, sentem-se fracassados.
Eles acham que há
algo errado com sua prática espiritual. Mas essa é mais uma das maneiras pelas
quais eles mantém a ilusão de estar no controle das coisas.
Pensamos assim :
Tenho que estar no controle e no caso de não
estar no controle, é um fracasso. Mas isso não significa que eu esteja
realmente no controle. É um deslize quando não consigo controlar esses
pensamentos porque eu estou sim no controle da minha vida.
Alguém diz : Sou o mestre de minha fé. Sou o capitão de
minha alma.
Se essa pessoa
tivesse feito um minuto de zazen, ele nunca poderia dizer isso.
Se a pessoa não luta
consigo própria, se a pessoa desistir de ser o capitão de sua alma, a primeira lição
que uma pessoa aprende no zen é o quão ela é uma escrava. A pessoa se da conta
de que está escravizada. Não importa : um pensamento emerge e a pessoa
reage a ele. Um pensamento prazeiroso deixa a pessoa feliz ; um pensamento
desagradável e a pessoa se sente triste; um pensamento doloroso e a pessoa se
sente magoada.
E por aí vamos.
Durante todo o dia. Caçando um pensamento após o outro como um cachorrinho
caçando folhas ao vento. Ele não consegue parar. Também a pessoa tem de continuar essa caçada.
Mas, o objetivo não é
limpar a mente de todos pensamentos.
Tem um livro sobre o
zen e a pintura e as instruçoes são as seguintes : Sente-se em uma posição
confortável, relaxe e esvazie sua mente de todos os pensamentos.
Bem, quantas pessoas
seriam capazes de fazer isso ?
Não se trata de
esvaziar sua mente de todos os pensamentos. Esse não é o objetivo do zen.
Eventualmente os pensamentos tornam-se transparentes, como fantasmas na
mente. Eles sussurram para cima e para
baixo. Alguns deles te surpreendem, mas muito raramente. Eles ficam só
murmurando. Eles são murmúrios encarnados da mente.
Quando a pessoa
começa a meditar, os pensamentos são viciosos. E ao invés de se castigar, se
machucar, se culpar porque você não consegue controlar seus pensamentos,
aprenda a humildade. Aprenda a que ponto você está totalmente fora do controle.
Nisargadatta
diz : Lembre-se de lembrar. O que quer que aconteça, acontece porque EU
SOU.
Lembre-se de você
mesmo. Você esqueceu de si.
Você acha que os
eventos ocorrem indepentemente de você. Mas na verdade a pessoa é uma escrava
de seus pensamentos. Ela pensa que os pensamentos são algo que está ocorrendo
por si só. Pior ainda, ela pensa EU
ESTOU PENSANDO ESSE PENSAMENTO. E no entanto, muito embora o pensamento
acontence, ele acontece por sua causa.
EU SOU é o primeiro requisito.
EU SOU é a fundação, a base de tudo que pode acontecer. Como a tela no cinema.
Raramente você nota a tela, uma vez o filme começado.
Imagine um cinema
dentro de um palácio e de repente você descobre que a tela tem uma mancha.
Mesmo dentro do palácio, você não consegue ignorar a mancha na tela e isso destrói
a ilusão porque agora você vê a tela o tempo todo. Mas a maioria das pessoas não
vê a tela. Sem tela não pode haver
filme. A tela não afeta o filme de modo algum, não altera o filme, mas ela é
fundamental. Sem tela, não há filme. O que é curioso é que quando a pessoa vê a
mancha ou um buraco ou uma imperfeição na tela – ou seja, quando a pessoa
lembra de si própria – a pessoa não consegue mais esquecer a tela. Quando a
pessoa toma consciência de que não importa o que aconteça, acontece porque EU
SOU, então, a intensidade do filme diminui. As angústias da vida passam a ser
vistas como uma outra experiência, algo que está ocorrendo. E que está
ocorrendo por causa do suporta que a tela dá.
Quando você vê o
mundo à sua volta, você o vê como sendo real. Mas, a Realidade é a tela. A
Realidade não pertence ao mundo. Sem a Realidade, você não veria o mundo. A
Realidade faz que o mundo seja mundo.
Segundo a psicologia,
há informação sensorial que se desloca do objeto ao olho e é traduzida em
impulsos nervosos e prossegue até o cérebro, etc. Mas, quando foi que você viu
essas informações sensoriais ? E quando foi que viu impulsos
nervosos ? O que você vê é o todo.
Você não vê nem
sequer o zendo[5].
Você vê a totalidade e não almofadas, a não ser que sua mente, sua atenção esteja especificamente
dirigida às almofadas. É como quando você dirige em uma auto-estrada. Você não
vê os carros. Se você vê os carros, tome cuidado, você está prestes a ter um acidente.
Você vê um padrão
quando está em uma auto-estrada. É esse padrão é que real. É a totalidade que é
real. Qualquer que seja essa totalidade.
O que é real emerge daquilo que você é. O EU SOU é a Realidade que você atribui
ao mundo. Esse EU SOU nunca está ausente.
Você sonha um sonho e
o sonho é real. A Realidade daquele sonho é o EU SOU. As pessoas têm medo de
que, quando morrerem, eles desaparecerão. Eles terminarão em um estado não-real.
Mas a única Realidade é o EU SOU. Você não pode ignorar isso. Quando a pessoa
diz EU SOU, quando uma pessoa trabalha com o EU SOU, isso não faz o mundo
desaparecer. Há uma mudança de ponto de
vista. Ao invés de olhar para o mundo em busca da Realidade, a pessoa começa a
olhar sendo ela mesma a Realidade.
No Zen é dito : Um pensamento voltado ao dharma e o mundo é
irreal. Um pensamento voltado ao mundo e o dharma é irreal.
Enquanto o mundo for
real, você é um fantasma. Um fantasma dentro de uma máquina. E quando você é
real, o mundo é um sonho.
Nisargadatta
diz : Lembre-se : o que quer
que aconteça, acontece porque EU SOU. Tudo ao seu redor lembra a você que você
É.
O que você acha que é
contato com a Realidade é um constante lembrete da Realidade do EU SOU. É o
mesmo com MU. MU é Realidade. E você pensa que Realidade é o mundo. Mas não
é. Estamos falando aqui de parariti : o salto da mente, a
grande mudança de perspectiva.
MU não é uma coisa.
Cadeiras, mesas, almofadas, carros, pessoas, caes, gatos. Essas são coisas.
Montanhas, nuvens, céu, espaço. Essas são coisas. Isso é o que no Zen chamamos
de dharma. Mas, os dharmas são vazios. Os dharmas são MU. Isso significa que sem a tela, não há dharmas. Sem MU,
nenhuma coisa existe. Tudo que existe
lembra a você que você É.
Uma vez que você volta para casa, você parece ser o
valor de tudo.
Nisagardatta
diz : Aproveite o fato de que para
experienciar a vida, você dever SER.
Você deve SER. Aproveite isso. Você entendeu o que
Nisagrdatta quer dizer com isso ?
Não importa de quê
experiência se trata. Seja angústia, terror, medo, alegria. Seja a experiência
de prazer de estar com outro alguém. Ou a experiência de decepção da outra
pessoa te desapontando. Não importa qual é a experiência : é VOCÊ. A tela está
presente para que a experiência possa existir.
As pessoas
perguntam : E daí ? Isso dá em
quê ?
Isso indica que você
É indestrutivel. Ao invés de ser essa criatura vulnerável, trêmula e
insigificante que balança cada vez que o vento sopra, a pessoa é a base de tudo
o que há. E de tudo que poderia ser. De
tudo o que sempre houve . Ao invés de ser o mais baixo dos servidores, a pessoa
se torna o imperador.
Aproveite do fato de que para experienciar a vida, você
dever SER.
Toda experiência é
VOCÊ. Isso é o que um mestre diz quando fala : As colinas, as árvores, os
campos : isso é minha face.
O que é MU ?
Três medidas de linhaça.
Aí está !
Nisagardatta
diz : Você não precisa parar de
pensar.
Parar de pensar
requer um pensamento : eu tenho de parar de pensar. Quando você para de
pensar, é como substituir um veneno por outro veneno, isso é tudo. Se a pessoa
chega a esse ponto de parar de pensar, você embrutece a mente.
Não estou dizendo que
os pensamentos não param nos momentos de profundo ou leve samadhi[6]. Por certo eles param. A prática de uma pessoa
pode chegar no ponto onde aquela voz dentro de você parou de falar. É como se a
pessoa estivesse sentada em uma catedral vazia. Não há voz. Isso vem por si
mesmo. Não é uma decisão que a pessoa toma e faz acontecer. É assim. Acontece.
E não é em si um estado desejável.
Quando ouvimos que
sansara[7]
é nirvana[8]
e nirvana é sansara, esse é um estado desejável.
Ver que o caminho é a mente quotidiana. Esse é o estado desejável. O outro é
apenas uma etapa no caminho : trata-se de um lugar onde você não pode
permanecer ; você não pode viver alí. Você vive no dia-a-dia, na mente
quotidiana. Nossa direção é ver que o caminho é a mente quotidiana e que esse
corpo é o corpo de Buda. Esse corpo É por causa da tela. O corpo É por causa do
vazio, se você preferir.
Nisargadatta
diz : Você não precisa parar de pensar. Somente deixe de se interessar.
Essa falta de interesse é que te libera. Não se apegue, só isso.
Isso é tão
importante. A pessoa fica tensa e tenta soltar a tensão. Mas a pessoa não pode
soltar a tensão porque a metade daquela tensão toda de tentar deixar de estar
tenso é o proprio ato de tentar.
Quando há tensão, há
duas forças em ação. Uma está tentando relaxar a tensão e a outra está tentando
manter a tensão. E na verdade, essas duas forças são fundamentalmente uma só. Quanto mais você tenta manter a tensão, mais
você quer relaxar. Quanto mais você tenta relaxar, mais você se apega à tensão. Então, se você está tenso, fique mais tenso.
Tente ficar mais tenso. É melhor do que ficar tentando relaxar.
Não se apegue.
Nisargadatta afirma : O mundo é feito de anéis. Mas, os anzóis são todos seus. Desfaça as
curvas de seus anzóis e nada poderá detê-lo.
Esses anzóis são EU
SOU ALGUMA COISA. Eu sou um homem. Eu sou uma pessoa. Eu sou inteligente. Eu
sou vitorioso. Cada qual desses EU SOUs é um anzól, um gancho pendurando-me na
humanidade, na inteligência, no sucesso, etc. O problema é que há pessoas mais
inteligentes do que eu, mais bem sucedidas do que eu, mais isso ou mais aquilo
do que eu.
Por isso, eu entro em
competição. Na competição, há tensão. Com a tensão,vêm os pensamentos. Com os
pensamentos, mais tensão. E aí emerge o EU TENHO QUE SAIR DISSO !! E aí
entra o sentimento de ser impotente, de não conseguir sair disso. E o desespero
e tudo que vem junto com ele. Tudo isso por causa de um primeiro anzol :
EU SOU UM HOMEM.
Se esse anzol inicial
não estivesse segurando todo o resto, nada disso se estruturaria. É o EU SOU
ALGUMA COISA. E enxergar dentro desse EU SOU ALGUMA COISA. Destrinchar o EU SOU
do EU SOU ALGUMA COISA. Tirar a tela do filme. Discernir a tela do filme.
Distinguir MU dos fenômenos. Essa é sua prática.
Por que MU não é
algo, ele não pode ser visto, ele não pode ser entendido. Ele é o conhecer em
si. Desfaça as curvas de seus anzóis e nada poderá te segurar. Desfaça seus
ganchos e nada poderá machucar você.
Saber EU SOU. Em
outras palavras, liberar o EU SOU da armadilha do ALGUMA COISA. Veja através
disso e nada poderá incomodar você. Mas enquanto você estiver preso no mundo
pelo anzol, tudo te toca. Até mesmo olhar de um desconhecido pode deixar você
ferido pelo resto de seu dia.
Ele diz : Abra
mão de seus vícios.
Somos todos viciados.
Viciados no sentido de SER ou na sensação de SER. Queremos esse gosto de ser
algo. Nós reforçamos, de todos os modos possíveis, o gosto de ser algo. Uma das
maneiras de se ter o gosto de ser é quando estamos com sucesso. Quando
conseguimos algo. Você pode ver na televisão essas várias competições
esportivas e você vê as pessoas em êxtase porque ganharam o jogo. Eles estão em
êxtase. Eles estão pingando não suor, mas o mel de ser. Todos nós estamos
constantemente caçando esse mel de ser, esse êxtase, esse sabor fino de ser.
E se nós não pudermos
obter esse sabor fino de ser, nós procuramos o amargo. Um exemplo disso são as
fofocas de escritório : Você sabe o
que ela me disse outro dia ? Ah, não, não posso acreditar ! Ela te
falou isso ! E você sabe o que ela me disse ? Francamente, essa
mulherzinha…
Você sabe que gosto
isso tem. Você conhece esse sabor, não é ? Nunca é suficiente, queremos
mais.
Amargo.
Em uma rodinha,
passa-se esse sabor de boca em boca. Você vê uma pessoa prova um pouquinho
desse sabor e passa adiante para que outro prove.
Esse mel do ser. Esse
gosto amargo do ser. Se a pessoa não conseguir nem um nem outro, ela vai para o
azedo : Não há nada que valha a pena, tudo é perda de tempo. Scrooge[9],
o azedo. Sempre buscando um sabor. Até mesmo o azedo… pelo menos é um sabor.
Caçamos esse gosto. Sensações físicas. Queremos esse sabor fisicamente,
emocionalmente ou intelectualmente. Queremos.
Existe esse fino e
maravilhoso sabor na resolução de complexas questões intelectuais. A pessoa
luta até consegui-lo. Quebra a cabeça, pensa e repensa, matura, encaixa, não
encaixa, vira e revira e finalmente encontra um ponto de vista. E de repente, a
soluçao da questão intelectual aparece. E a pessoa se diz a si mesma : Consegui ! Ah, é tão lindo !
É um sabor de
verdade. E não estou dizendo que é errado. Mas nós somos viciados. Nós temos
que tê-lo, somos drogados.
Se não conseguirmos o
puro, o mel, nós traçaremos o que tiver. Como um álcoolatra que toma álcool de farmácia
quando não tem sua vodka.
Desista do vício EU
SOU ALGUMA COISA, porque tudo sai disso. O sabor de ser vem desse sabor de ser
algo.
Hubert Benoit
descreve os vários sabores em seu livro Metaphisical
and psychanalysis (Metafísica e psicanálise). Ele diz que há o insípido. E
a porta para a liberdade é o insípido.
Quando digo isso, a
maioria das pessoas reagem : Por que
então praticar durante 20 anos para descobrir o insípido ! Para quê ?
Qual o objetivo da prática, então ?
Claro, é um alívio !
É um abandonar-se à fonte do ser. Ao invés de focar sobre os reflexos, a pessoa
pode ir direto à fonte, à origem. É somente indo até a fonte que uma pessoa
pode compreender por que alguém passa 20 anos tentando chegar à fonte.
Nisargadatta
diz : Pare com sua rotina de aquisições,
pare com sua mania de buscar resultados e a liberdade do universo é toda sua. Seja
sem esforço.
É isso ! Seja
sem esforço.
Tudo o que você faz é
sem esforço em sua origem, desde o comecinho. Você anda. Andar não requer e é
sem esforço. Mesmo se você for deficiente físico. Na origem do andar, o andar é
sem esforço. Como conversar. Conversar é sem esforço. Enxergar é sem esforço.
Ver algo requer esforço.
Andar 10 milhas porque isso faz parte de uma competição requer esforço. É
quando algo é acrescentado que o esforço entra. Por isso dizemos que em sua
origem, tudo é sem esforço.
Tudo é espontâneo.
Tudo emerge do nada. Tudo emerge de coisa alguma. É espontâneo e emerge sem
esforço. O mundo todo é sem esforço.
Uma pessoa diz :
Mas a vida é esforço. Há muito o que se
fazer.
Você vê… EU tenho que
fazer. Por isso é esforço. Há muitas coisas que EU tenho de fazer.
Nisargadatta
diz : Aquilo que for necessário ser
feito, faça. Não resista. Seu equilíbrio precisa ser dinâmico e baseado em ações
justas : fazer o que tem de ser feito de momento em momento.
Em outras palavras, não
se trata de fugir da vida, de se retirar do mundo. É uma mudança de atitude em relação
à vida. O fazer é, para muitas pessoas, um modo de tentar satisfazer esse vício.
O fazer. Estou ocupado. As pessoas adoram falar do quão ocupadas elas estão.
Ah, tenho tanto o que fazer ! É terrivel ! Estou atarefadíssimo !
Estou ocupadésimo !
Há um mestre que
diz : Não faço nada o dia todo e
mesmo assim tudo é feito.
Sem esforço.
Nisargadatta
diz : Não seja como uma criança que não
quer crescer. Gestos e posturas esteriotipadas não te ajudarão. Conte
totalmente com a clareza de espírito, com a pureza de suas motivações e
integridade de suas ações. Você não terá como errar.
Uma pessoa
questiona : Mas será que há algo que
pode ser deixado para sempre ?
Nisagardatta
responde : Você quer é êxtase
eterno. Mas, os êxtases vão e vêm necessariamente porque o cérebro humano não
conseguiria aguentar uma tensão como
essa por muito tempo.
Você quer é êxtase eterno. Esse
é o sonho do viciado. Deitar-se em êxtase eterno.
Muitas pessoas vão
fazer você acreditar que o despertar espiritual é isso.
Penso nesse homem que
sempre me manda os boletins informativos de seu instituto. Ele é um iluminado
auto-proclamado. E em suas fotos ele sempre aparece com sorrisos e gestos
expansivos indicando que a iluminação é uma condição de êxtase eterno. E também
o que ele diz e escreve da essa ilusão.
A passagem para a
verdade se dá através daquilo que é comum. Através do insípido. Você pode
comprar êxtase, se quiser. Tem gente vendendo no metrô Henri Bourassa[10].
Você pode tomar drogas que o levarão para os céus. Mas o que você vai fazer
quando chegar lá ? Só voltar para a Terra. E geralmente nessa volta, você
cai se esborrachando no chão.
O caminho espiritual não
é o caminho êxtase. O caminho espiritual é aquele onde você caminha com seus próprios
pés. E no qual você exerga com seus próprios olhos.
Nisargadatta
diz : Um êxtase prolongado queimará
seu cérebro a não ser que seu cérebro seja extremamente puro e sutil. Na natureza,
nada está parado em um so estado. Tudo pulsa, aparece e desaparece. Coração, respiração,
digestão, sono e despertar. Nascimento e morte. Tudo vem e vai em ondas. Ritmo
e periodicidade. A regra é uma
harmoniosa alternância entre extremos. Não adianta se revoltar contra o padrão
da vida. Se você está buscando aquilo que é imutável, vá além da experiência.
Quando eu digo lembre-se sempre do EU SOU todo o tempo… Quero dizer,
volte-se para isso constantemente.
Em outras palavras,
essa oscilação, essas subidas e descidas, esses dentro e fora, esses movimentos
de ida e volta são percebidos pela maioria como sendo tão cansativos, tao
estressantes. Veja além desses movimentos. Ver que você é a tela é a maneira de
alcançar a paz que você está buscando.
Se você busca a paz
em somente uma das fases da onda, você receberá a erupção, a agitação, a
violência que se situa na outra fase da onda.
Vá além da onda. Veja
esses movimentos da mente tal e qual são : movimentos da mente. Eles não são
a mente em si mesma.
Ele diz : Lembre EU SOU todo o tempo. Volte a isso
constantemente. Nenhum pensamento pode ser o estado natural da mente. Só o
silêncio. Não a idéia de silêncio. Somente silêncio em si mesmo.
Você não é uma idéia.
O único modo pelo qual você vai enxergar essa verdade é reconhecendo que você
tem vivido totalmente dentro de seus pensamentos e dentro de suas ideias.
Sinta saudade.
Deseje. Lute. Busque ir além da ideia. Dirija-se além de toda e qualquer
experiência. Aquiete-se e saiba que EU SOU Deus. Só saiba.
[1] Teisho de Roshi Albert Low traduzido por Débora Bolsanello e revisado Alexandre Cursino, classificado por 680-2de3-Nov.1999-Nisargadatta.
[2] TO KNOW YOURSELF (Conhecer a
si mesmo) é um dos livros publicados por Albert
Low pela Charles E. Tuttle Company em1997 e foi traduzido em francês.
[3] O Dojo de
Albert Low é localizado em Montreal, na provincia de Québec, Canadá.
[4] Mu é um koan
usado na meditação zen e é uma palavra japonesa cujo significado é não. negação, negativa.
[5] Zendo é a sala de
meditação.
[6] Samadhi é um termo sânscrito que significa completo estabelecimento, manutenção,
reposição da consciência. O significado dessa palavra se expandiu e hoje a
compreendemos como união, completude,
concentração, totalidade, realização.
[7] Samsara é um termo de origem do sânscrito e
singifica literalmente : corrente
contínua , fazendo referência aos ciclos de nascimento, vida, morte e
renascimento nos quais crêem hinudistas, budistas e adeptos de diferentes
linhas da yoga.
[8] Nirvana é um
termo de origem do sânscrito que
significa extinção de uma chama ou da
febre. A palavra tem raizes que indicam ex-piração
e por extensão apasiguamento, liberação.
[9] Ebenezer Scrooge é o personagem principal da história Conto de Natal (1843), de Charles Dickens. No começo
da história, Scrooge se mostra frio e sem coração, além de ganancioso e
avarento. Indiferente ao Natal e tudo o que gera felicidade, Albert Low faz referência ao
pesonagem Ebenezer Scrooge para descrever a qualidade de uma personalidade azeda.
[10] Henri Bourassa
é a estação de metrô mais próxima do Dojo Zen onde Albert Low é diretor.
Olá, caro bloguista (ALBERT LOW)...
ResponderExcluirAgradeço a sua opinião: certos budistas ou iogues, têm-me afirmado, que meditar é vazar a mente de pensamentos, esforçando-se para não tagarelar internamente: ou para melhor dizer, ficar só de ouvido atento!
Um abraço - artur